terça-feira, 17 de julho de 2007

"Estórias” da História - Expansão e mudança ao longo dos séculos

A herança do mediterrâneo antigo (Séc. V a. C.)

A sociedade ateniense era constituída por cidadãos, metecos e escravos.
Os cidadãos eram homens livres, maiores de 18 anos, filhos de pai e mãe atenienses. Só eles podiam ser proprietários de terras e participar no governo da cidade
Os metecos constituíam um outro grupo da sociedade ateniense. Eram os estrangeiros que, em grande número, viviam em Atenas. Apesar de serem homens livres, estavam impedidos de possuir terras e de participar na administração da cidade.
Dedicavam-se ao comércio e às actividades artesanais.
Os escravos, na sua maioria, eram de origem estrangeira. Haviam sido comprados pelos Gregos ou feitos prisioneiros de guerra. Realizavam os trabalhos mais pesados: serviços domésticos, nos campos, nas oficinas e nas minas. Não tinham quaisquer direitos. Atenas teria cerca de 120 mil escravos.
Qualquer pessoa podia tornar-se escrava, se fosse raptada por piratas ou capturada na guerra.

Ser escravo

Ser escravo
É não ter liberdade
É obedecer a alguém
Contra vontade
É sentir-se dominado
É estar acorrentado
Mesmo que os grilhões
Não se vejam...
Ou não se sintam
Porque a liberdade
Deve estar em nossos corações
Escravos sempre existiram:
Escravos domésticos...
Escravos artesãos...
Escravos das minas...
Escravos para todos os serviços
Hoje, tal como ontem,
Continua a haver escravidão:
Escravos da sociedade de consumo…
Escravos da droga...
Escravos da violência...
Escravos da guerra...
Escravos do ódio.
É preciso dizer não
A qualquer escravidão
É urgente ser livre.

Natércia Crisanto



Os escravos educam-se como animais

Os homens, podemos torná-los ainda mais obedientes pela palavra, mostrando-lhes que é do seu interesse obedecer.
No que respeita aos escravos, o método educativo que parece conveniente para os animais é também o mais apropriado para os ensinar a obedecer. [...]
Este método, que eu próprio utilizo com o fim de tornar os homens mais obedientes, ensino-o aos que quero tornar administradores e complemento-o ainda com o seguinte: as vestes e o calçado que tenho de fornecer aos meus trabalhadores, não os faço todos iguais; fabrico uns piores e outros melhores, para que possa recompensar os mais capazes com as melhores peças e dar as piores ao menos capaz.


Sócrates
Vol. V, 1302 a 22-34,
apud José Ribeiro Ferreira, Pólis





A sociedade europeia nos séculos IX a XII


Os camponeses (vilãos e colonos) e os servos

Na sociedade feudal, as relações entre o senhor e o povo que habitava os seus domínios eram de grande dependência.
Os camponeses eram homens livres (vilãos e colonos), que arrendavam os mansos recebendo em troca uma parte da colheita, mas que viviam em muito más condições.
Os servos trabalhavam a reserva e não tinham liberdade para abandonar a terra, pois faziam parte dela, tal como as árvores ou as casas.

O camponês ou vilão

O vilão trabalha muito e sofre, semeia o centeio, grada a aveia, ceifa o prado, tosquia a lã, faz as cercas, levanta paliçadas, cava viveiros nos rios, cumpre as corveias, sofre as pilhagens e paga cem direitos. Se tem um bom pato, ou franga, ou bolo, ou farinha branca, destina-a aos seus senhores. E se tem vinho da sua vinha, o seu senhor fica com ele. Nunca prova um bom bocado nem de ave nem de caça. Se tem pão escuro, leite ou manteiga, já fica contente.
Kremer, Livro dos Costumes


O servo

Eu estava alugado a um vilão e conduzia a sua charrua. Ele tinha quatro bois.
Ora há quatro dias aconteceu-me uma grande desgraça, em que perdi um dos melhores bois, o roguet. Procurei-o e não comi nem bebi durante três dias; não me atrevo a ir à quinta, onde me meterão na prisão, porque não tenho com que pagar; de todos os bens do mundo, eu não tenho senão aquilo que vedes sobre o meu corpo. Eu tinha uma mãe infeliz, cujos bens eram apenas um manto pequeno e fraco e tiraram-lho das costas, e ela ficou na miséria, mas mesmo assim, eu tenho muito mais pena de mim.

Aucassim e Nicolette, adaptado por M. Roques


O calendário religioso do vilão

O primeiro serviço do ano,
Pelo S. João (24 de Junho) o devem prestar.
Devem o feno ceifar,
Medir e juntar,
E no meio dos prados atar.
Quando tudo amontoado estiver,
Ao solar o devem levar,
E vem o mês de Agosto:
Um serviço a não esquecer,
É que devem a corveia,
Que cumprida tem que ser.
O trigo devem ceifar,
Amontoar e aparelhar,
E no meio dos campos empilhar.
Devem levá-lo à granja,
Depois vem a Nossa Senhora (8 de Set.)
Em Setembro.
Se o vilão oito porcos tiver,
Os dois mais belos levará,
E o outro a seguir é do Senhor,
Que não ficará com o pior,
E ainda é preciso pagar,
Pela sobra deles,
Um dinheiro.
Depois vem o S. Dinis (9 de Outubro)
Os vilãos aterrados estão,
É preciso o censo pagar.
Depois vem a corveia,
Quando a terra lavrada estiver.
O trigo ao celeiro devem ir buscar,
Semear e gradar,
Um acre cada um.
Depois devem as oferendas.
Toucinho pelo Santo André (30 de Nov.)
Três semanas antes do Natal
No Natal devem as galinhas,
Que têm que entregar, boas e finas.
Na Páscoa devem a corveia.
Podem ir à forja,
E os cavalos ferrar,
Pois a lenha têm que ir buscar.
Depois vão ao moinho do povo,
E o moleiro a farinha mal medirá,
E o seu quinhão tirará.
Depois vão ao forno do povo!

Estout du Bois, Canto dos vilãos Verson




Expansão e mudança nos séculos XV e XVI


O escravo Manuel Canarinho


Decide o rei que muito manda, tendo em conta os pedidos feitos pelos habitantes da ilha, que os escravos canários sejam expulsos da Madeira... Só ficam na ilha os mestres de açúcar que muito sabem das artes e manhas do ofício. Esses são necessários: sua experiência, sabedoria e engenho não podem ser dispensados. Se expulsos, quem vai cuidar do fabrico, das operações difíceis por que o açúcar tem de passar?
Manuel Canarinho: assim é conhecido o nosso herói. Filho e neto de escravo. Manuel – nome. Canarinho – alcunha, por das ilhas Canárias seu avô ter vindo (melhor: ter sido trazido). Das ilhas para a ilha. Da liberdade pobre para a escravidão. Manuel andaria pelos trinta e poucos anos. Mestre de açúcar, considerado e afamado, já muito sabedor, grandes conhecimentos, casado com escrava canária. Vários filhos. Seu senhor e amo um rico genovês, proprietário de grosso rebanho: à volta de umas sete dúzias de almas cativas. Manuel: escravo de abastado amo. Apesar da sua triste sina, da sua má sorte, Canarinho não havia sido expulso. Porque, mestre conhecedor, era apreciado e estimado pelo seu trabalho.
Já quando da expulsão dos escravos canários, Manuel pediu ao amo que não mandasse embora alguns dos seus melhores amigos. Ele bem sabia que a expulsão da ilha era para muitos o mesmo que a morte. Nada demoveu o amo. «Ordens do rei», dizia o senhor. «Ordens do rei são para cumprir, doa a quem doer, acatam-se e fazem-se cumprir». Assim falavam os senhores.
Ponto final. Conversa dita. Nada a fazer.

Manuel cisma agora, cada vez mais, na sua condição de escravo. Viver no lado errado da vida. Amargurada vida, que nem vida é: atribulado sobreviver. A tristeza, como cerrado nevoeiro, desce sobre ele. Martiriza-o. No trabalho é outro. Ruminador de revolta surda.
Não consegue render o habitual. A seu amo chegam ecos do desinteresse de Manuel pelo trabalho. «Coisa passageira, com certeza», pensa o senhor. Mas não é. No coração triste e descomposto de Canarinho, a tristeza tinha dado lugar ao azedume. A revolta apodera-se dele. Até quando, Manuel, vais resistir? Até quando?
[...] Olha o mar, onde se refugia, pensativo, olhar parado, a fixar o infinito. Mar onde parece esperar a salvação.
No pouco que conversa, diz assim, por entre os tormentos que aumentam: «Resta-nos a palavra para nos ajudar a passar o tempo, é o que nos vão deixando. Mais nada. E, mesmo assim, temos de ter cuidado com as palavras, com o que da boca nos sai. Depois de nos tratarem como bichos, de à pancada e à fome nos matarem, nossos amos deram em expulsar-nos. Para a morte. Pois que arrimo há-de ter escravo expulso? E, ou o coração me engana muito, ou piores dias hão-de vir.»
Canarinho tinha razão. Tempos ainda mais difíceis chegaram. O rei concedera aos capitães-donatários, grandes senhores da ilha, governadores em nome de sua alteza, juízes e grandes proprietários, o direito, estranho direito, de cortarem as orelhas aos escravos que o «mereçam por justiça». Os sombrios pressentimentos de Manuel batiam certo.
A revolta que sente aferroa-o como aguilhão que fere mansos bois. De cismar, toma estranha atitude que a todos intriga. Depois de soltar as suas aves de estima, às quais dedicava grande afecto, com as quais se entretinha, confidenciava e esquecia, toma a gaiola vazia e coloca-a no cimo de uma vara. E quando se desloca para dar grandes miradas no mar, para se embriagar de azul e solidão, o que acontece muitas vezes, leva sempre consigo o estranho ceptro. Como quem leva um pendão. Assim, com estes estranhos e bizarros modos, passeia a sua tristeza.

Assim se passavam as coisas quando Manuel é acusado (por escravo inimigo? Por capataz invejoso do seu saber? Nunca se apurou, mas isso, para a nossa estória, tanto monta!...) de guardar, no seu casebre, produto de roubo feito na herdade do amo e senhor.
Acusado de crime que não cometera, comparece Canarinho na presença do capitão-donatário. O testemunho dos acusadores, aquilo que eles diziam, era sempre aceite quando se tratava de julgar um escravo.
Manuel era escravo. Para quê perder tempo? Era ladrão como tantos outros. Havia roubado. Aplique-se-lhe a pena. Cumpra-se a lei, aplique-se o castigo merecido – ordena o capitão-donatário do alto da sua autoridade.
Como a outros escravos desorelhados, é-lhe aplicada a lei. Assim sefez. E o que se faz, feito fica.
Já sem orelhas, Manuel Canarinho, mestre de açúcar afamado, escravo cristão na fé de Nosso Senhor Jesus Cristo baptizado, conhecedor de todos os truques, voltas e segredos para que o açúcar seja doce, doce como o mel, é agora um homem mais marcado. Mezinhas à base de ervas (que as ervas para muita coisa dão, nem só para pão de escravo servem), Manuel lá acaba por sarar. Só da dor da alma é que não se cura, que para essa não há remédio.
Saradas as feridas, Manuel sente aumentar, cada vez mais, a dor «num órgão que está ali no peito, não sabe bem aonde», como ele costuma dizer; mas de tal dor, que mal o deixa respirar e lhe tolhe o espírito, dessa não é capaz de se livrar. É a tristeza revolta azedume, a tristeza rachadora de peitos, enorme como o mar onde se refugia.
Manuel quer-se só com a solidão.
Cresce nele a atracção pelo mar. Pelo mar haviam chegado os seus avós – ele sabia-o – das ilhas onde eram libertos e não escravos. [...]
Conta quem viu. Quem não viu dá testemunho. Já cansado de contemplar o mar, Canarinho decide-se. Num ritual lento, estranho ceptro na mão, abre a porta da gaiola que até então conservara fechada e entra de mansinho no mar. Decidido. Com a decisão de quem caminha para a única libertação possível.
Cai a tarde. Gaivotas esvoaçam à sua volta. A gaiola erguida para o céu como mastro de caravela, Manuel rasga a água, avança firme, para a terra dos seus antepassados onde tinham sido livres e não sujeitos.

Augusto Monteiro,
Três estórias (pouco) doces
Texto adaptado





Portugal no contexto europeu dos séculos XVII e XVIII



Sabi, o Jovem negro

Sou Sabi. Nasci na Costa da Guiné. Dizem que devo ter treze anos. Não sei, nem me interessa. O meu povo não liga a isso. Cresci livremente na floresta com os outros rapazes e raparigas. Era feliz! Com os mais velhos aprendi os rituais e o que é necessário para termos comida e nos defendermos. Mas, um dia, chegou uma “coisa” estranha à nossa praia e de dentro saíram uns homens diferentes de nós que nos agarraram e nos meteram dentro daquela “coisa” à qual chamavam barco. Começámos uma longa viagem que nunca mais esquecerei. Os meus pais e irmã também iam comigo. Éramos muitos no porão do barco, quase não podíamos mexer-nos nem respirar. O calor era insuportável e o cheiro também.
Alguns não aguentaram e morreram. Outros doentes, mas ainda vivos, foram atirados ao mar.
Depois de muitas luas, chegámos a uma terra desconhecida, onde havia muitos frutos e gente como nós, mas de tez acinzentada e cabelos luzidios.
Mandaram-nos lavar, descansar e comer durante uns dias. Depois, fomos levados para um sítio onde estavam muitos homens brancos a ver-nos.
Não entendi o que diziam, mas davam umas coisas em ouro em troca dos nossos. As mães e os meninos choravam. Eu também chorei. Vi o meu pai ser levado por um homem.
Daí por um bocado levaram a minha mãe que, agarrada a mim e à minha irmã, gritava e não queria ir. Eu também chorei. Até que chegou a minha vez. Fui levado para uma fazenda para cortar cana-de-açúcar, juntamente com muitos outros. Tratavam-nos como animais, chamavam-me escravo.
Nunca mais vi nenhum dos meus.
Tenho saudades deles e da minha terra. Será que um dia os verei?

Natércia Crisanto




O poder, a riqueza e a miséria

Honra e glória ao nosso rei
Cujo poder lhe vem de Deus.
Que esplendor tem a sua Corte!
Todos se reconhecem súbditos seus.
A nobreza ostenta riqueza
Através do vestir e do estar,
Cobrando impostos, aumenta a pobreza
Da gente do povo que lhes tem de pagar.
Trabalhar, trabalhar, sem parar
Para os senhores sustentar.
É a sina dos homens e mulheres do povo
Que, nada tendo de seu,
Muito têm de entregar.
O baixo clero dificuldades sente,
Enquanto veneráveis bispos e abades
Vivem opulenta e faustosamente.
Era assim que, nos séculos XVII e XVIII,
Uns viviam pobres, outros ricamente.

Natércia Crisanto

A Revolução Agrícola e o arranque da Revolução Industrial


John, o pequeno camponês

Nos finais do século XVIII, em Inglaterra, os grandes senhores quiseram aumentar e desenvolver as suas propriedades, cercando-as e introduzindo novas técnicas.
Um dos senhores do condado de Norfolk tinha como vizinhos pequenos proprietários, que trabalhavam a sua terra para poder sobreviver. John era filho de um desses camponeses. Tinha 12 anos.
Desde pequenino que se habituara a trabalhar, com os pais, na terra.
O feitor do senhor tentou convencê-los a venderem as terras. Contudo, eles não quiseram.
Então o grande senhor mandou os seus homens e, à força, desalojaram os camponeses das suas terras. John e seus pais, espancados e sem nada, foram para a cidade de Manchester, à procura de emprego numa fábrica.

Natércia Crisanto


* * *


Campos verdes, campos cercados


Flores amarelas e brancas
Vêem-se ao longe nos prados
Com pachorrentas ovelhas
Campos verdes, campos cercados

O fazendeiro está feliz
Corre água por todos os lados
A terra é fértil e generosa
Campos verdes, campos cercados

Todos trabalham a terra
Que é fonte de riqueza
À noite estão muito cansados
Campos verdes, campos cercados

Mas chegam os grandes senhores
E os camponeses são espoliados
Ficam sem terras, sem nada
Campos verdes, campos cercados

Na Inglaterra de então
Muitos camponeses são obrigados
A procurar trabalho nas cidades
Campos verdes, campos cercados

Natércia Crisanto



A vida de um operário no século XIX

O que nos diz um operário:
— Eu sou operário de uma fábrica de cerâmica. Sinto-me desesperado por não poder exigir maiores salários e a diminuição do nosso horário de trabalho. Tendo uma família para sustentar, eu e a minha mulher vemo-nos obrigados a pôr os nossos filhos a trabalhar também. O trabalho para eles é duro, mas recebem quase o mesmo que nós. É cada vez mais difícil arranjar emprego, pois há muita concorrência devido às máquinas que foram aparecendo nestas últimas décadas.
Têm dado bons resultados no aumento da produção. O povo é que sofre!
Falta trabalho. Os donos destas fábricas só pensam nos lucros e impõem-nos dez a dezasseis horas diárias de trabalho, ou então o despedimento.
Muitos não resistem às condições difíceis e à falta de emprego; então, emigram. Grande parte vai para o Brasil, que, para alguns, é a árvore das patacas e, para a maioria dos desgraçados, o cemitério dos portugueses.
Nós somos constantemente pressionados e não podemos revoltar-nos. Não somos livres!
Sou o presidente da associação de operários, pois sou dos poucos que sabem ler e escrever. Tenho lutado pelos meus direitos.


João Coelho,
aluno do 8.° ano




A operária

Betty me chamo, sou operária
Trabalho numa mina.
Minha vida é um inferno
Como lamento a minha sina!
Levanto-me de noite
Com frio, mal alimentada...
E faço uma longa caminhada.
Seis da manhã começa o meu dia
Dia que é muito, muito longo!
Para os patrões pouco valho
O que lhes interessa é o meu trabalho
Pois, tal como um animal,
Para puxar os vagons uso na cintura
Uma grossa correia de cabedal.
Nas galerias escuras e húmidas,
Sinto-me besta e não criatura
Termino o dia muito cansada
Esgotada de forças, regresso a casa.
Poderei chamar casa à mansarda
Mal cheirosa e escura onde vivo?
Meus filhos esperam-me tristes,
Cansados, maltratados,
Também como crianças são desrespeitados.
Mas, mantenho a esperança:
Um dia será diferente.
Continuarei a trabalhar, a lutar,
Para que sejam reconhecidos
Direitos a toda a gente.

Natércia Crisanto




Novo História
Natércia Crisanto e outros
Porto, Porto Editora, 2000

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