quarta-feira, 27 de junho de 2007

Rosas com espinhos - Caroline Njenga

Caroline Njenga
in:Além-mar, Janeiro 2006



O Quénia produz diariamente 800 mil pés de flores para exportação: são rosas. Naivasha, no oeste do país, tem as condições ideais para a floricultura. Mas os trabalhadores não estão a tirar partido do lucrativo negócio. Muito pelo contrário. E o meio ambiente também não.

A indústria exportadora de flores do Quénia está a desabrochar em força. É a terceira maior fonte de divisas estrangeiras, depois do turismo e do chá. A floricultura regista um crescimento rápido através da transformação de grandes quintas em estufas.

O Quénia é um dos maiores fornecedores de flores cortadas ao mercado europeu e a indústria emprega mais de 50 mil operários. Contudo, enquanto as empresas continuam a crescer e a registar grandes ganhos anuais, os trabalhadores estão cada vez mais pobres. A pobreza não é o único problema que enfrentam. Há casos de assédio, intimidação, longas horas de trabalho extraordinário sem a correspondente remuneração e despedimentos ilegais.

Para compreender melhor a situação dos trabalhadores, fui a Naivasha, onde se concentram os maiores produtores e flores. A área de Karagita é o seu coração, e dá nome à pequena cidade onde vive a maioria dos trabalhadores. Um lugar pacato, excepto para uns quantos que andam a apregoar os seus serviços. Um deles diz-me que quase todos os habitantes de Karagita trabalham nas estufas. Parece que não têm alternativa.

Abortos e bebés mortos

Não me permitiram entrar nas plantações. Para falar-lhes, tive de esperar que os operários acabassem os seus turnos. Os autocarros das empresas floricultoras voltam à tardinha com os trabalhadores que fizeram o turno da manhã. Muitos dos que se apeiam são mulheres jovens.

Wanjiru – os nomes foram mudados para proteger a identidade dos entrevistados – diz-me que selecciona e embrulha flores. Por vezes, ela e outras colegas têm de trabalhar muito para além do horário do seu turno. Mesmo quando deixam o emprego depois da meia-noite, têm de se apresentar novamente ao trabalho às seis da manhã. Hoje saiu cedo porque as encomendas não eram muitas.

No mês passado, houve dois casos de violação denunciados por mulheres que ficaram a trabalhar até tarde nas plantações. Wanjiru diz que os autocarros da companhia costumavam deixá-las junto de casa, mas os supervisores aboliram a benesse e agora os operários são deixados na paragem, mesmo às horas mais tardias. «Nós somos violadas, mas na manhã seguinte esperam que estejamos a trabalhar», diz. Wanjiru continua a desfiar a sua história. Quem embrulha flores permanece de pé durante longas horas. E não há intervalos, excepto para almoço. «Estamos habituadas a estar de pé», afirma. Mas diz que, por causa disso, muitas mulheres têm problemas de saúde.

Abortos espontâneos são comuns. Um grande número de bebés morre logo depois do parto. Outras mulheres queixam-se de que não conseguem engravidar por causa da exposição a substâncias químicas. Parece que as empresas de floricultura não levam a sério as questões relacionadas com a saúde. Apesar de terem clínicas privadas, os empregados queixam-se de que os tratamentos são muito caros e inadequados.

Joseph Onyango, que foi condutor de camiões na Homegrown e entretanto se despediu, conta que sofreu um acidente de trabalho em Setembro de 2004. «Estava a ajudar a rebocar um dos tractores e encontrava-me a amarrar uma corda. Infelizmente, o outro condutor meteu a mudança errada e fui entalado. Socorreram-me imediatamente, mas o sangue corria por toda a perna. Pensei que ia morrer. Levaram-me para a clínica da empresa, prestaram-me os primeiros socorros e coseram a ferida. Pensei que, como o acidente foi grave, seria transferido para um hospital para fazer mais exames. Mas levaram-me para casa e disseram que a ambulância me recolheria na manhã seguinte porque o doutor não estava na clínica. Não conseguia sequer caminhar, e tive de ser levantado como um bebé; o meu braço também estava ferido. No dia seguinte esperei que alguém me viesse buscar, mas o director não enviou ninguém. Fui obrigado a chamá-los. Irritaram-me bastante, porque sabiam muito bem a condição em que me encontrava. Telefonei e disseram-me que a ambulância tinha problemas mecânicos. Mas eu vi-a a passar à frente da minha porta. É assim que tratam os trabalhadores. Dão mais valor às flores do que às pessoas.»

Um euro por dia

Os assalariados recebem entre 85 e 100 shillings quenianos – cerca de um euro – por dia. Algumas companhias só pagam os seis dias de trabalho, omitindo a folga. Outras não pagam as hora extraordinárias. A maioria dos trabalhadores recebe um subsídio de alojamento, mas algumas das companhias oferecem casa aos trabalhadores. Visitei um desses locais para me inteirar das suas condições. As construções têm uma só divisão e estão muito juntas. Um dos empregados disse-me que tem duas crianças que partilham o quarto com ele e com a esposa. Contou-me que não podem receber hóspedes por mais de uma semana, senão têm problemas. Mas afirma que a situação está a melhorar: «No passado, partilhámos o quarto com outra família. Era realmente mau, não havia privacidade.»

Os trabalhadores da indústria das flores enfrentam inúmeras dificuldades. Debatem-se sobretudo com a falta de um sindicato que defenda os seus direitos, embora exista um Comité de Assistência que deveria ajudá-los. De acordo com os empregados, os maiores entraves partem da administração das companhias: são os directores que impõem quem deve dirigir o Comité. Numa das floricultoras, um condutor contou-me que nas últimas eleições escolheram o seu delegado, mas a administração queria impor outro dirigente. «O nosso representante não durou uma semana. Enviaram-lhe uma carta de despedimento. Não podemos manifestar os nossos protestos a esta gente; eles apoiam as administrações e têm medo de perder o próprio emprego se falarem.» Há muitas intimidações nas companhias. As pessoas têm medo de começar um sindicato, porque temem ser despedidas.

Hipopótamos envenenados

Os trabalhadores não são as únicas vítimas da indústria da floricultura. O lago Naivasha e o delicado ecossistema que o circunda também não foram poupados. Frequentemente, os produtos químicos utilizados acabam no lago. É comum os pescadores encontrarem peixes mortos à tona da água. Conhecem-se casos preocupantes: dois hipopótamos e algum gado dos pastores Massai também morreram depois de beberem água do Naivasha.

Os empregados das estufas admitem que algumas companhias deixam escorrer os resíduos para o lago. E não é só o lago que é afectado pelos produtos químicos. Alguns trabalhadores encontram-se em situação de alto risco, sobretudo os que pulverizam as plantas e colhem as flores.

William, que trabalha na Homegrown, diz que, apesar de usarem equipamento de protecção, fazem testes frequentes para ver se estão bem de saúde e podem continuar a tratar as plantas. «Tiram-nos o sangue para exames, mas não dizem o que estão a despistar. Alguns colegas foram transferidos de lugar depois dos testes, mas não sabem porquê.»

William continua: «Quando pulverizamos as flores, sabemos que ninguém deve entrar na estufa durante um número mínimo de horas. Mas, se as flores são precisas, os cortadores vêm apanhá-las depois de uma hora. Às vezes o spray nem sequer chegou a secar e ainda se sente o cheiro. As mulheres, ou colhem as flores ou perdem o emprego. São capazes de não saber quanto tempo depois de os pesticidas terem sido usados é que podem entrar, mas nós sabemos. Se o supervisor diz que o podem fazer depois de uma hora, nós não podemos protestar. Temos medo de perder o nosso trabalho.»

À espera de Londres

Durante o ano passado, Naivasha foi um dos lugares mais perigosos do Quénia. Alguns condutores dos turnos da noite foram assaltados e os seus pertences roubados. As companhias para que trabalham não os compensaram.

Em Outubro, um grupo de trabalhadores da Flamingo Farm, proprietária da companhia Homegrown, escreveu uma carta ao director-geral da empresa, em Londres, a denunciar o sentimento de frustração dominante, a intimidação e o assédio por parte dos administradores locais. A denúncia causou muita tensão – que afectou também as outras empresas – e espera-se que venha a gerar mudanças.

O perfume doce das flores melhora a vida de alguns mas piora a de outros. Oferecer uma rosa pode sair barato. Mas, no Quénia, o gesto sai caro à saúde pública e ao meio ambiente.

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